segunda-feira, 24 de abril de 2023

SENDO LÍQUIDA A SENTENÇA, CABERÁ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OU RECURSO ORDINÁRIO PARA SE DISCUTIR O CÁLCULO?

Aqui, antes de tudo, faz-se necessário deixar assentada a premissa de que sendo líquida a sentença, os cálculos, ainda que elaborados pela contadoria e não propriamente pelo magistrado, serão por este último assinados, vindo a integrar formalmente o conteúdo da decisão.

Isto posto, devemos prelecionar, de pronto, que será o contexto que determinará se o julgado será hostilizado por embargos de declaração ou por recurso ordinário. Divisamos, no caso, pelos menos três situações, a saber.

Na primeira delas, o juiz estabelece na sentença uma metodologia errada de cálculo e a contadoria disciplinadamente a segue. Temos, nesta hipótese, indiscutível error in judicando, devendo o tema ser desafiado, portanto, mediante recurso ordinário, nos termos do artigo 895, I da CLT.

Na segunda, o julgador estabelece determinada metodologia de cálculo, mas a contadoria indisciplinadamente segue outra. Em uma situação que tal, teremos inelutável contradição entre a primeira e a segunda parte do próprio decisum, havendo que ser manejados, dessarte, embargos de declaração, inclusive com efeitos infringentes, para dirimir a celeuma (art. 897-A, caput, parte final da CLT c/c arts. 1.022, I e 1.023, § 2º, parte final, ambos do CPC).

Na terceira, finalmente, o juiz estabelece as diretrizes corretas de abalançamento e a contadoria as segue, mas na desincumbência do seu trabalho contábil comete um erro material clássico de cálculo. Nesta situação, ex vi legis (art. 1.022, III do CPC c/c art. 9º da IN 39 do TST), também será imperioso o manejamento de embargos de declaração para a sanação do vício.

Pensamos, contudo, que nesta última proposição a matéria não restará preclusa, haja vista que o artigo 833 da CLT, ainda hoje, é hialino ao estatuir que existindo na decisão evidentes erros de cálculo, eles poderão ser corrigidos antes da execução, ex officio, ou a requerimento dos interessados ou do Ministério Público do Trabalho.

De tal sorte, devemos compreender o que realmente é um erro material de cálculo. Reproduzimos, a propósito, a preciosíssima lição do professor Marcelo Moura: “(...) equívocos, definidos como erros materiais, são da natureza humana e não transitam em julgado mesmo que não haja qualquer impugnação ao ocorrido. São erros facilmente perceptíveis, pois discrepam dos demais elementos do julgamento. São casos, v.g., de nome de partes digitados de forma incompleta, referência a números absurdos ou incompatíveis com a lógica do julgamento ou menção à folha do processo que não existe.” (MOURA, Marcelo. Consolidação das leis do trabalho para concursos. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 1083).

É prudente se destacar ao final deste breve estudo, com efeito, que o conceito de erro material, seja ele de redação ou de cálculo, deve ser restritivamente interpretado, para que em seu nome não sejam cometidos descalabros decisórios.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)

* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado?

sábado, 8 de abril de 2023

FERRAMENTAS PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS NA ANÁLISE DE PROVAS DIGITAIS

Amigos, trabalhando ontem na 2ª edição do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, separei mais um fragmento para a leitura de vocês. Nele apresento, sem pretensões exaustivas e sem qualquer propósito financeiro, algumas ferramentas que são importantes, na prática, para a eficiente resolução de problemas recorrentes que aparecem na análise das provas documentais digitais. Espero que seja útil!! Segue abaixo:

A crescente utilização de tecnologia no âmbito forense tem gerado implicações significativas para o processo de produção de provas e a solução de impasses processuais. Nesse contexto, algumas ferramentas digitais têm se destacado pela relevância prática na obtenção e verificação de informações. A utilização dos aludidos utensílios digitais, isto posto, pode ser de grande valia no desate de cizânias em processos jurídicos em curso no Poder Judiciário. Dentre as diversas ferramentas disponíveis, destacamos algumas que são especialmente úteis no terreno das provas documentais digitais.

A primeira delas é a ‘Wayback Machine’, disponível em https://archive.org/web, que em tradução livre significa ‘máquina do caminho de retorno no tempo’. Tal instrumento permite que sejam recuperadas as versões anteriores de uma página da internet, o que pode ser de grande importância em situações, v.g., de investigação da formação ou não de grupo econômico entre duas ou mais empresas, como quando uma página que continha informações relevantes sobre o tema é convenientemente editada posteriormente. Com a ‘Wayback Machine’ será possível aferir como eram as versões anteriores da página e, assim, obter provas relevantes para a necessária investigação, como já dito, entre outros exemplos que poderiam ser mencionados, da existência ou não de grupos econômicos (art. 2º, §§ 2º e 3º da CLT).

Outra ferramenta demasiadamente importante é a ‘Pic2map’, disponível em https://www.pic2map.com/, que também em tradução livre pode ser chamada no vernáculo de ‘mapa de metadados da foto’.  O que a aludida funcionalidade faz, nada mais é do que extração, com sói é de se intuir, de metadados de uma fotografia digital original, permitindo descobrir, entre outras coisas, por qual máquina, quando e em que local a imagem retratada foi capturada. Porém, para a sua utilização, é bom que fique claro, será imprescindível o acesso à foto original, uma vez que as suas reproduções não se prestam ao desiderato almejado pelo instrumento em discussão. A ‘Pic2map’, com efeito, pode ser útil para elucidar discussões acerca da autenticidade de uma fotografia digital, como, v.g., em hipóteses de #tbt ou, ainda, para a verificação da localização de pessoas ou objetos em uma determinada data e horário.

De sua vez, a ‘Verifact’, disponível em https://www.verifact.com.br/, será útil para a extração de dados digitais documentais de maneira segura e confiável, suprindo com sobras, de modo tão ou mais escrupuloso e menos dispendioso, instrumentos processuais previstos em lei como a ata notarial (art. 384 d o CPC).  Com ela é possível tirar fotos e filmar todas e quaisquer páginas da internet, como, exemplificativamente falando, o Telegram e o WhatsApp, sendo produzidos, a partir de então, relatórios circunstanciados dos respectivos conteúdos, que serão devidamente chancelados e lacrados por chave ICP-Brasil, de modo a que haja a preservação da cadeia de custódia da prova documental digital coletada.

Já o ‘Verificador de Conformidade do Padrão de Assinatura Digital Icp-Brasil’, disponível em https://verificador.iti.gov.br/verifier-2.11, é um apetrecho digital que permite aferir se um arquivo assinado com certificado ICP-Brasil está em conformidade ou não com as disposições regulamentares. Com ele, portanto, é possível verificar a autenticidade e a integridade de documentos assinados digitalmente, o que como vimos à exaustão é de grande importância em processos jurídicos.

Outrossim, o site ‘Qual Operadora?’, disponível em https://www.qualoperadora.net/, nada mais é do que uma funcionalidade simples que permite descobrir a qual operadora um telefone móvel está vinculado e se houve ou não a sua portabilidade. Isso pode ser útil para obter informações, como aquelas que estudamos anteriormente sobre a Estação Rádio Base (ERB), quando for necessário oficiar uma operadora no contexto de o titular dos dados de geolocalização não saber sequer indicar a qual delas o seu dispositivo móvel está atrelado.

De outro tanto, a ‘Localize IP’, disponível em https://localizeip.com.br/, permite saber a qual Provedor de Acesso o IP está ligado. A informação em questão é importante para o oficiamento eficiente, bem como para a produção confiável de provas documentais digitais em casos que envolvam tramoias cibernéticas, contribuindo, solidamente, para a adequada checagem da autoria de publicações censuráveis na Internet, que muitas vezes perpassam pelas relações de trabalho.

Cabe ressaltar, finalmente, que é preciso ter cautela e prudência ao utilizar ferramentas digitais na produção de provas, pois há também aplicativos e sites como o ‘Fakewhats’ (https://www.fakewhats.com/generator), livremente traduzido como ‘WhatsApp falso’, que produzem conversas irreais de WhatsApp, que são notavelmente parecidas com as fidedignas, sendo capazes, dessarte, de induzir advogados e juízes a erro. É imperioso ressaltar, com efeito, que nem todas as ferramentas disponíveis na internet são confiáveis, sendo certo que algumas delas, como a agora em estudo, podem conduzir a erros comprometedores da correta solução do impasse judicial.

Por isso, ao fim e ao cabo, revela-se fundamental que os profissionais do Direito tenham discernimento para avaliar a confiabilidade das informações angariadas por meio das assim denominadas ferramentas digitais, avaliando, criteriosamente, a autenticidade e a integridade das informações granjeadas.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)


* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado?

domingo, 2 de abril de 2023

A ANULABILIDADE DA CONFISSÃO

Amigos, trabalhando hoje na 2ª edição do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, separei para vocês um fragmento no qual trato da possibilidade de anulação da confissão, contando, inclusive, um episódio longínquo e pitoresco da minha carreira de magistrado. Espero que seja útil! Segue abaixo:

Estabelece o artigo 393 do CPC que a confissão (sem distingui-la entre judicial ou extrajudicial) é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação, estatuindo, ademais, que a legitimidade para a ação anulatória é exclusiva do confitente e pode ser transferida a seus herdeiros se ele falecer após a propositura. Diante do formalismo processual civil, portanto, a confissão, não importando se judicial ou extrajudicial, somente pode ser infirmada por ação anulatória.

A matéria, na nossa compreensão, deve ser vista com temperamentos no Processo do Trabalho, principalmente diante da simplicidade procedimental que orienta este ramo do direito processual. É claro que a confissão judicial somente poderá ser desconstituída por ação anulatória ou rescisória (vide, acerca do afirmado, o artigo 352, I e II do CPC/1973, que embora não repetido no CPC/2015, dá diretrizes seguras para o enfrentamento do tema).  Pensamos, todavia, que pelo menos a confissão extrajudicial, ainda que lavrada em cartório, pode ser desconsiderada no interior da relação processual trabalhista por simples impugnação e prova robusta.

Trazemos, ao encontro da nossa visão, o escólio do professor Manoel Antônio Teixeira Filho (que embora construído ao tempo do CPC/1973, ainda se ajusta à fiveleta para os dias atuais), para quem “(...) não apenas a confissão extrajudicial do empregado feita a terceiro, como prevê o CPC, mas igualmente a realizada ao empregador, deverá ser livremente apreciada pelo juiz, que lhe atribuirá a eficácia que entender possível. Por outras palavras: na apreciação dessa espécie de confissão o julgador trabalhista valer-se-á de sua persuasão racional – elevada à categoria de princípio pelo CPC vigente.” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 266)

A propósito do assunto e à guisa de curiosidade, podemos discorrer sobre uma longínqua passagem da nossa carreira de magistrado, na qual nos deparamos com a confissão extrajudicial de um trabalhador, chancelada por escritura pública lavrada em cartório, que tinha sido carreada para os autos conjuntamente com os documentos que instruíam a defesa do reclamado.

Para nossa surpresa, a aludida confissão foi impugnada pelo advogado do confitente, sob o fundamento de que o seu constituinte a tinha prestado ao procurador da parte contrária mediante coação, sendo para tanto submetido, entre outras violências, até mesmo à criminosa prática de cárcere privado (artigo 148 do Código Penal).

No caso, como a confissão não tinha sido feita nos autos, mas lavrada extrajudicialmente, tendo sido prestada demais disso a terceiro, poderia perfeitamente ser elidida no próprio bojo do processo em curso, sem a necessidade de ajuizamento de ação anulatória, ex vi da inteligência conjugada dos artigos 352 e 353 do CPC/1973.

Foi assim que pacientemente colhemos a prova, para após longa e minuciosa instrução do caso concluirmos, estarrecidos, que realmente os fatos tinham se passado da forma narrada na impugnação.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)

* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado? 

quinta-feira, 30 de março de 2023

VOCÊ SABE O QUE É O REGISTRO DE PONTO POR EXCEÇÃO E SE ELE É CONSTITUCIONAL?

Amigos, trabalhando hoje na 2ª edição do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, separei para vocês um fragmento no qual explico o significado do registro de ponto por exceção, defendendo, na sequência, a sua inconstitucionalidade. Espero que seja útil. Segue abaixo:

Vamos falar hoje sobre o tema da permissão legislativa da utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (art. 74, § 4º da CLT). Aqui, antes de tudo, devemos definir o que é o registro de ponto por exceção, para dizer que ele é um instrumento mediante o qual se presume o regular cumprimento da jornada básica de trabalho, ficando a cargo do empregado anotar no documento apenas as excepcionalidades ocorridas, tais como as ausências, os atrasos, as horas extras acaso laboradas e eventuais intervalos intrajornada não respeitados.

Parece-nos, indo direto ao epicentro do debate sem maiores volteios, que a aludida disposição, prevista no § 4º do art. 74 da CLT, é manifestamente inconstitucional, uma vez que menospreza, a mais não poder, o postulado constitucional da razoabilidade, que deve reger a elaboração de qualquer disposição normativa. Para melhor sustentarmos o nosso ponto vista, cumpriremos nos próximos parágrafos a tarefa de diferenciar os postulados constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, que nem sempre são adequadamente compreendidos pelos juristas.

Na nossa compreensão, os princípios em questão, em que pese derivem no Direito brasileiro da mesma fonte constitucional incorporada, que é o princípio da legalidade (vide, a propósito, o artigo 5º, II, § 2º da CRFB), merecem diferenciação clara o suficiente para que sejam evitados desalinhos inapropriados e indesejáveis.

Assim, consoante o nosso ponto de vista, o princípio da proporcionalidade (verhältnismäßigkeit), oriundo do Direito alemão, diz respeito ao abalançamento de direitos fundamentais que acaso estejam em rota de colisão, almejando responder, na dimensão aplicativa, até que ponto um pode ser tutelado sem que interfira desmedidamente na fruição do outro.

Já o princípio da razoabilidade (reasonableness), de origem anglo-saxônica, que melhor seria denominado como princípio da ‘racionalidade’ (rationality) para que o seu conteúdo detivesse compreensão mais intuitiva, diz respeito à plausibilidade das regras, não podendo ser consideradas constitucionais aquelas que sejam manifestamente irracionais.

Assim, laborando em exemplos mais agudos e cerebrinos, contrariariam o princípio da legalidade, enxergado pela sua dimensão da razoabilidade, disposições normativas que, v.g., desejassem revogar a lei da gravidade ou que buscassem estabelecer que o planeta Terra seria plano.

Como exemplos mais palpáveis, seriam inconstitucionais, por manifesta irrazoabilidade ou irracionalidade, leis que exigissem uma altura mínima para alguém exercer o cargo de escrivão de polícia (diferentemente, por exemplo, de um agente que fosse atuar diretamente no front policial) ou que criasse adicional de férias para servidores públicos inativos. Estes últimos dois exemplos, aliás, já foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, respectivamente, no RE 150.455.2-MS e na ADI 1.158-AM.

Devidamente diferenciados os postulados constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, é chegado o momento de demonstrarmos, concretamente, por qual motivo a regra do ponto por exceção, prevista no multicitado § 4º do artigo 74 da CLT, seria inconstitucional. A questão é simples, não demandando comentários demasiadamente alongados. O fato é que diante da sua incontornável irracionalidade ou até mesmo do seu cinismo, a disposição normativa em comento agride letalmente o postulado da razoabilidade.

Para melhor demonstrarmos no âmbito constitucional o que afirmamos, faz-se paradoxalmente necessário que mergulhemos em uma disposição infraconstitucional, que é o artigo 11, III, ‘c’ da Lei Complementar 95/1998, diploma este que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição.

O fato é que segundo o preceito invocado (art. 11, III, ‘c’ da LC 95/1998), as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, sendo certo que esta última, a ordem lógica, demandará, para a sua obtenção, entre outras exigências, que sejam expressados por meio dos parágrafos legislativos apenas os aspectos complementares à norma geral enunciada no caput e as eventuais exceções à regra por este estabelecida, sendo certo, ademais, embora o preceito não o dite expressamente, que entre os variados parágrafos deverá existir uma relação de coerência e de integridade.

Perceba-se: as leis devem ser redigidas com lógica e, para que haja lógica, o parágrafo de um artigo deverá, primeiramente, tratar dos aspectos complementares à norma enunciada no seu caput, podendo, no máximo, excepcionar um ou outro aspecto da regra geral estabelecida na cabeça do artigo no qual está inserido, não lhe sendo lícito jamais esvaziar por completo o sentido da regra geral, tampouco carregar consigo uma incoerência gritante entre os diversos parágrafos que juntos compõem o preceito, sob pena de em assim não se comportando, tornar-se manifestamente inconstitucional, tendo em conta a sua ilogicidade, a sua irracionalidade e, por corolário, o seu completo menosprezo ao postulado da razoabilidade que deve orientar a elaboração de toda e qualquer disposição normativa.

Pois bem. Quanto cotejada a regra geral do caput do artigo 74 da CLT e, principalmente, o disposto no seu § 2º, com a disposição do seu § 4º, a ilogicidade deste último regramento advindo da malfadada lei de liberdade econômica (§ 4º do art. 74 da CLT, com redação da Lei nº 13.874/2019) ressoa hialina, uma vez que, à toda evidência, não é ‘razoável’ que a última disposição de um artigo, no caso o § 4º do art. 74 da CLT, transporte consigo uma contradição insanável com os fragmentos anteriores do preceito legislativo no qual está inserido.

Ora, como pode uma disposição legal prelecionar que o horário de trabalho será anotado em registro de empregados, sendo obrigatória para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, para logo depois dizer, sem qualquer constrangimento, que fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho? Tudo isso, pior ainda, até mesmo mediante acordo individual escrito em um contrato cuja nótula característica é justamente a subordinação de uma parte à outra.

Não é difícil intuir, isto posto, que a teleologia que está por trás de tão vexatória disposição é o propósito evidente de dificultar a comprovação em juízo, por parte dos trabalhadores, das horas extras e respectivos efeitos circulares expansionistas a que tenham direito, subtraindo-lhes, pois, o direito fundamental de acesso substancial (e não meramente formal) à jurisdição, que é prometido pelo artigo 5º, XXXV da CRFB.

O raciocínio que está por trás desta prática reprovável, evidentemente, é o de inviabilizar no foro a incidência da regra de distribuição dinâmica do ônus da prova construída há tempos no item I da súmula nº 338 do TST, fazendo-o, o que é ainda mais grave, dentro de um contexto jurídico que prima pela inibição de sobrejornadas excessivas, prática esta que é essencial para a diminuição dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII da CRF) e a promoção da saúde, vista como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (art. 196 da CRFB) .       

Tal desiderato, diga-se de passagem, é tão cristalino, que certa parte da doutrina aparentemente simpática à adoção do regime de ponto por exceção (a qual respeitamos porém urbanamente divergimos) chega a vaticinar, desinibidamente, que “é lícito supor que grande parcela dos empregadores passe a adotar o sistema do controle de ponto por exceção, uma vez que judicializada a questão, o ônus da prova das horas extraordinárias passa a ser do trabalhador” (SILVA, Bruno Freire e; BERNARDES, Felipe. Controle de jornada de trabalho: registro de ponto por exceção e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Revista do TST. São Paulo, vol. 86, nº 1, jan/mar 2020). Eis aí o inescondível propósito. Mais claro, impossível. 

De tudo o quanto asseverado, concluímos pela inconstitucionalidade do § 4º do art. 74 da CLT, em (des)virtude de ofensa aos seguintes preceitos constitucionais: a) artigos 5º, II (razoabilidade da lei) e XXXV (inafastabilidade substancial da jurisdição); b) 7º, XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho); c) 196 (saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos).

Logo, o empregador que em tendo adotado por sua conta e risco, mesmo diante da sua flagrante inconstitucionalidade, o regime de ponto por exceção, não poderá argumentar em juízo sobre um suposto motivo ‘justificado’ para deixar de trazer aos autos os controles de jornada, de modo que a distribuição dinâmica do ônus da prova incidirá à espécie, forte na dicção do item I da S. nº 338 do TST, que remanesce intacta nos tempos atuais.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)

* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado?

segunda-feira, 27 de março de 2023

O QUE É O PRINCÍPIO DA UNIDADE DA PROVA?

Amigos, trabalhando hoje na 2ª edição do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, separei para vocês um fragmento no qual explico o significado do princípio da unidade da prova. Espero que seja útil. Segue abaixo:   

O princípio da unidade da prova, também conhecido como princípio epistemológico da unicidade probante, destina uma obrigação ao Estado-juiz e uma garantia aos litigantes. Por ele, todos os elementos probatórios devem ser considerados em coesão na decisão, formando um conjunto posto à apreciação do Estado-juiz.

Ao julgar, com efeito, o magistrado tem o dever de argumentar com base em todo o acervo probatório coletado, imprimindo coerência e integridade às vozes polifônicas eventualmente dissonantes captadas na dilação probatória. Se assim não o fizer, a sua decisão será lacunosa, merecendo colmatação mediante embargos de declaração e, no extremo, anulação ou reforma pela via revisora apropriada. Insistimos, dito isto, que a unidade da prova, tomada como elemento valorativo-decisório, é uma obrigação do Estado-juiz e uma garantia dos litigantes.   

Para melhor explicar o princípio em estudo, pensamos que seja adequado o “pinçamento” de uma antiga disposição legal contida no Código de Processo Civil de 1973. Cuida-se do artigo 436 do diploma normativo em questão, que embora seja uma regra alusiva à prova pericial, trata-se, a bem da verdade, de um princípio geral de direito processual probatório. Vamos ao seu texto.

Segundo o aludido artigo 436 do CPC/1973, o juiz, ao julgar, não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Eis aí a correta tradução do princípio da unidade probatória, que reproduzida em linguagem um tanto mais amena, recomenda ao magistrado que não se detenha com tamanha intensidade na árvore a ponto de não enxergar a floresta.

É correto que o antedito artigo 436 do CPC/1973 não foi literalmente reproduzido no CPC/2015. Ainda assim, a sua inteligência remanesce intacta. Note-se, a propósito, que os artigos 479 e 480, § 3º deste último código são límpidos ao ditarem, respectivamente, que o juiz apreciará a prova pericial, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, bem como que o juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida, sendo certo, no entanto, que a segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra.

Mais claro impossível. O que vincula o magistrado não é o laudo do perito, mas a completude do acervo probatório. Assim o é no âmbito pericial e, com muito mais razão, em todos os demais meios de provas. Eis aí, sem margem para tergiversações, o significado exato do princípio epistemológico da unidade da prova.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)

* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado?


domingo, 26 de março de 2023

SIMPLES RETORNO OU NOVO COMEÇO?

 Amigos, o que temos aqui? Um puro e simples retorno ou, na realidade, um novo começo?

Acredito que muito das duas coisas.

É provável que vocês não saibam, mas entre os anos 2010 a 2017 mantive aqui um blog chamado “Ambiência Laboral”, no qual apresentava a minha visão sobre aquilo que convencionei chamar como “Direito e Processo Ambiental do Trabalho”.

Com o advento de outras redes sociais, acabei deixando a página por seis imperdoáveis anos sem atualizações.

Recentemente, pensando melhor, notei que embora sejam imprescindíveis, o Instagram e o Facebook (nos quais continuarei) não viabilizam, pela falta de espaço suficiente e adequado, a apresentação de reflexões jurídicas mais densas.

Pensei comigo: é chegada a hora do retorno.

Na sequência, meditei: um puro e simples retorno não será suficiente; mais que isso, será imperioso um novo começo.

Foi assim que, sem perder a essência, modifiquei algumas coisas, a saber:

a) a página, que antes se chamava “Ambiência Laboral”, agora é o blog do Professor João Humberto Cesário (#ProfJHC);

b) a abrangência das abordagens, doravante, será mais ampla, vez que para além do Direito e do Processo do Ambiental do Trabalho, falaremos também sobre a Teoria do Direito e sobre o Direito e o Processo do Trabalho convencionais;

c) deletei, com efeito, todas as matérias antigas e decidi reiniciar a página.

De tal sorte, dialeticamente falando, vamos avançando por via de teses, antíteses e intermináveis sínteses que dão começo a novos e infinitos ciclos.

Novidades, temos aos montes. Por ora, apresento apenas uma delas.

Estou com negociações avançadas para fechar contrato com uma grande editora, por via da qual lançarei a 2ª edição tanto do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, quanto do meu “Audiência na Justiça do Trabalho”.

A propósito, já estou trabalhando firme na revisão, atualização e ampliação do livro de Provas.

Espero contar com a companhia de vocês nesses novos passos da minha trajetória acadêmica.

Venham aqui e me visitem sem moderação.

Afinal de contas, se muito vale o que já foi feito, muito mais vale o que ainda virá pela frente!!


Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)