domingo, 2 de abril de 2023

A ANULABILIDADE DA CONFISSÃO

Amigos, trabalhando hoje na 2ª edição do meu livro de Provas no Processo do Trabalho, separei para vocês um fragmento no qual trato da possibilidade de anulação da confissão, contando, inclusive, um episódio longínquo e pitoresco da minha carreira de magistrado. Espero que seja útil! Segue abaixo:

Estabelece o artigo 393 do CPC que a confissão (sem distingui-la entre judicial ou extrajudicial) é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação, estatuindo, ademais, que a legitimidade para a ação anulatória é exclusiva do confitente e pode ser transferida a seus herdeiros se ele falecer após a propositura. Diante do formalismo processual civil, portanto, a confissão, não importando se judicial ou extrajudicial, somente pode ser infirmada por ação anulatória.

A matéria, na nossa compreensão, deve ser vista com temperamentos no Processo do Trabalho, principalmente diante da simplicidade procedimental que orienta este ramo do direito processual. É claro que a confissão judicial somente poderá ser desconstituída por ação anulatória ou rescisória (vide, acerca do afirmado, o artigo 352, I e II do CPC/1973, que embora não repetido no CPC/2015, dá diretrizes seguras para o enfrentamento do tema).  Pensamos, todavia, que pelo menos a confissão extrajudicial, ainda que lavrada em cartório, pode ser desconsiderada no interior da relação processual trabalhista por simples impugnação e prova robusta.

Trazemos, ao encontro da nossa visão, o escólio do professor Manoel Antônio Teixeira Filho (que embora construído ao tempo do CPC/1973, ainda se ajusta à fiveleta para os dias atuais), para quem “(...) não apenas a confissão extrajudicial do empregado feita a terceiro, como prevê o CPC, mas igualmente a realizada ao empregador, deverá ser livremente apreciada pelo juiz, que lhe atribuirá a eficácia que entender possível. Por outras palavras: na apreciação dessa espécie de confissão o julgador trabalhista valer-se-á de sua persuasão racional – elevada à categoria de princípio pelo CPC vigente.” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. A prova no processo do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 266)

A propósito do assunto e à guisa de curiosidade, podemos discorrer sobre uma longínqua passagem da nossa carreira de magistrado, na qual nos deparamos com a confissão extrajudicial de um trabalhador, chancelada por escritura pública lavrada em cartório, que tinha sido carreada para os autos conjuntamente com os documentos que instruíam a defesa do reclamado.

Para nossa surpresa, a aludida confissão foi impugnada pelo advogado do confitente, sob o fundamento de que o seu constituinte a tinha prestado ao procurador da parte contrária mediante coação, sendo para tanto submetido, entre outras violências, até mesmo à criminosa prática de cárcere privado (artigo 148 do Código Penal).

No caso, como a confissão não tinha sido feita nos autos, mas lavrada extrajudicialmente, tendo sido prestada demais disso a terceiro, poderia perfeitamente ser elidida no próprio bojo do processo em curso, sem a necessidade de ajuizamento de ação anulatória, ex vi da inteligência conjugada dos artigos 352 e 353 do CPC/1973.

Foi assim que pacientemente colhemos a prova, para após longa e minuciosa instrução do caso concluirmos, estarrecidos, que realmente os fatos tinham se passado da forma narrada na impugnação.

Prof. João Humberto Cesário (#ProfJHC)

* Em caso de citação, indiquem a fonte, combinado?